sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

2. EDUCAÇAO SOMÁTICA: CAMINHOS E POSSIBILIDADES

(Este texto é parte da Segunda Sessão de minha monografia de especialização em PROEJA-Artes, pela Universidade Federal do Pará, defendida em junho de 2015, sob o título de O DESPERTAR DA SENSIBILIDADE: A EDUCAÇÃO SOMÁTICA NO ENSINO-APRENDIZADO EM ARTES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, sob a orientação da Profª Drª Maria Ana Azevedo).



2.1.        EDUCAÇÃO SOMÁTICA: O QUE É?

No final da década de 60 do século XX, Thomas Hanna – professor PhD estadunidense e filosofo da Universidade da Flórida, dedicou seus últimos trinta anos de vida a compreender os novos dados sobre o funcionamento do corpo humano, levando em consideração uma abordagem holística já aberta pelos pesquisadores autodidatas, que futuramente seriam denominados como reformadores do movimento[1].
Por meio do seu conhecimento e sensibilidade proveniente de sua formação em Filosofia, ele se apoiou em teorias e pensamentos de outros filósofos, biólogos, sociólogos, etnólogos, psicólogos, teólogos, como Darwin; Marx; Nietzsche; Kierkegaard; Piaget; Freud; e muitos outros pensadores do século XX que igualmente revolucionaram a forma de compreender os problemas do Homem contemporâneo. Em seu livro Corpos em Revolta: uma abertura para o pensamento somático, Thomas Hanna (1972) explica o caminho aberto pela humanidade até chegarmos a uma nova forma de percepção, que ele denominou de “Educação Somática”.
O pensamento filosófico norteador deste campo de estudos veio ao conhecimento público em 1983 através de um artigo de sua autoria, na revista cientifica Somatics. Neste artigo ele afirmava que a Educação Somática é
Consistia em um processo relacional interno, onde a arte e a ciência agiam juntos correlacionando a consciência, o biológico e o meio-ambiente, sendo todos os fatores vistos como um todo, agido em sinergia. Entretanto:

[...] historicamente, os métodos de Educação Somática começam a ser estruturados na Europa e em seguida na América do Norte, um pouco antes da Primeira Guerra Mundial. Seus criadores são, em sua maior parte, cientistas e artistas. Os métodos são criados por ocidentais para ocidentais. Uma primeira diferença: embora o campo da Educação Somática postule que o homem é um ser total – corpo, mente e espírito – e que o corpo é indissociável da consciência, nenhum dos métodos é ligado a um sistema religioso em particular como o hinduismo, a vedanta ou o taoismo. Uma das especificidades da Educação Somática é que nenhum de seus métodos pede do aluno a maestria da forma. A tônica das aulas de Educação Somática é uma exploração dos movimentos propostos e não o aperfeiçoamento de posturas ou coreografias fixas. (BOLSANELLO, 2008, p. 2-3).

Ainda segundo Bolsanello (2005, p.100) a Educação Somática “é um campo teórico e prático que se interessa pela consciência do corpo e seu movimento”. E como uma área que promove a consciência corporal através da reeducação do movimento do indivíduo enquanto observador de si mesmo, a Somática vale-se de diferentes técnicas como as desenvolvidas por Pilates; técnica de Mathias Alexander; Laban/Bartenieff; Feldenkrais; Ginástica Holística; Antiginástica; Body Mind Centering®, Yoga, etc, sendo que cada uma possui seus próprios princípios e estratégias pedagógicas, objetivando a reeducação do movimento, promovendo a subjetividade, a inteligência do gesto e a singularidade do corpo em sua individualidade. Cada técnica tem sua própria abordagem e aplicabilidade pedagógica, conforme a finalidade e objetivos a serem trabalhados pelo professor de Educação Somática, como observa Ciane Fernandes em seu artigo:

[...] a prática é, em si mesma, o método de pesquisa, seu eixo principal e meio de organização. Nesse contexto, o impulso criativo é bem mais impor­tante para delinear o desenvolvimento da pesquisa do que a hipótese ou o problema. Mas a prática como pesquisa difere da pesquisa feita unicamente como parte de um projeto artístico ou da coleta e troca de materiais para juntar informações e criar uma rede de práticas, por exemplo. Prática como pesquisa é uma forma de pesquisa acadêmica em que se busca descobrir e estabelecer novos conhecimentos através da prática, com resultados, muitas vezes, em formas simultaneamen­te práticas e teóricas. Através de abordagens exploratórias práticas, estabelecem-se os percursos, desdobramentos e escolhas da pesquisa (inclusive aqueles relacionados à coleta de dados, construção de rede de informações e criação de obras artísticas).  (FERNANDES, 2015, p. 26)

Desde seu surgimento o campo da Somática foi embasado e trabalhado junto à Filosofia, Psicologia, Medicina e Artes Cênicas. Porém, com o passar do tempo e com outras pesquisas na área da educação, novas abordagens pedagógicas de aplicação combinando prática e teoria em diferentes áreas do conhecimento vem se desenvolvendo. Desse modo, a Somática surge como um poderoso caminho para reflexão de conteúdos e ideias acerca do macro e micropolíticas em diferentes níveis de informações.
Quando Thomas Hanna (1972) propôs explicar e apresentar ao mundo essa nova concepção de viver e compreender o ser humano e tudo à sua volta, este professor pesquisador nos fez ver que as mudanças externas provocadas pela própria sociedade em curso, refletiam em nós de maneira a nos conduzir inconscientemente às ações e sentimentos condicionados, pré-fabricados e/ou mecanizados; isso vem acontecendo de forma mais evidente durante o período em que nos encontramos agora, devido ao forte apelo massivo para o consumo de bens materiais; consumo da informação através dos meios de comunicação, sobretudo, ocasionado pela volaticidade do tráfego de notícias através da Web; pela banalização da violência; pela superexposição da autoimagem em sites de relacionamentos, etc.
A essas comunidades atuais Hanna (1972) chamou de “sociedade pós-tecnológica”. Segundo o raciocínio e observações dele acerca do comportamento dos jovens do final dos anos 60 e no decorrer da década de 1970 do século XX, o que ele pôde observar é que nunca antes esteve tão em evidencia o conflito entre gerações visando a queda de comportamentos e pensamentos hegemônicos, com eclosões de protestos sociais, onde a população jovem reivindicara maiores direitos de expressão, repudio aos valores morais ultrapassados, (re)inventando novos padrões comportamentais, linguísticos e culturais, tudo acontecendo em uma velocidade assustadora.
Ainda segundo Hanna, pelo fato de estarmos agora “livres” de atividades que antes nos deixavam centrados em movimentos fixos e repetitivos, o corpo humano está “solto” e a mente absorvida em novos ambientes virtuais, que nos remetem instantaneamente ao nosso interior, aos nossos pensamentos, emoções e imaginação.
O que estamos experimentando na atualidade é nossa readaptação a essas mudanças drásticas ocorridas no meio em que inventamos para viver e nos relacionar uns com os outros. Por isso mesmo, valores morais, de comportamento e atividades culturais também estão sendo modificados através da influência e conduta das novas gerações, convidando as anteriores a experimentarem essa nova forma de ver e sentir o mundo que nos rodeia.
Hanna explica em seu livro Corpos em Revolta: uma abertura para o pensamento somático, o que significa um pensamento-comportamento – ações motivadas exclusivamente pelo desejo de mudança – que vem sendo passado de geração em geração e entrado em choque com os padrões morais estabelecidos, que esse choque de ideias, de emoções, e de sensações novas está fazendo com que o homem do século XXI se volte mais para si, não como um comportamento individualista, mas com uma visão individual de si mesmo, ou seja, muitas pessoas estão num processo coletivo de autoconhecimento porque agora têm “tempo livre” para isso.
As tarefas mais corriqueiras que antes eram feitas e assimiladas de forma mecanicista, agora prescindem de um “sentido” para que sejam realmente desempenhadas. Este é o aspecto maior explorado em Educação Somática através de seus exercícios e abordagens.
            Percebi que tal fator vem ao encontro com a proposta pedagógica para o ensino de EJA, pois o aluno desta modalidade prescinde fazer conexões entre seu dia-a-dia e com o conteúdo estudado em sala de aula para que o trabalho do professor atinja o esperado: trazer de volta o interesse e envolvimento do educando para o cotidiano escolar, comprometimento este que antes fora abandonado por esse aluno, devido diferentes fatores pessoais.
É importante observar que o público da EJA já tem uma “bagagem” cultural e visão de mundo formada a partir de experiências fora do ambiente estudantil (muitas vezes relacionadas ao trabalho e ao convívio social e cultural que não mais se restringe ao círculo e regras escolares), e normalmente esses dados não são aproveitados nas dinâmicas de ensino-aprendizagem pela escola tradicional, fazendo com que o aluno não estabeleça links entre o conteúdo estudado e seu cotidiano.
As propostas e abordagens de ensino-aprendizagem na EJA procuram resgatar esse aluno através de uma dinâmica pedagógica que parte do conhecimento do educando. Sendo assim, muitos alunos da EJA precisam de estímulos para se colocarem em sala de aula, para se sentirem parte do que está sendo abordado. No entanto, o que pude observar com nossa intervenção pedagógica foi que os exercícios de Educação Somática proporcionaram essa abertura de estímulos visando a interação dos educandos com o conteúdo pedagógico trabalhado em sala a partir de seus próprios pontos de vista, como será explicado em detalhes na terceira seção.



[1] Reformadores do Movimento: Termo utilizado pela professora doutora Márcia Strazzacappa em um de seus artigos, quando a mesma se refere aos pioneiros nomes de referencia que desenvolveram algumas abordagens e técnicas em Somática utilizadas na atualidade.



2.2. A COMPREENSÃO HOLÍSTICA DO SER HUMANO

Durante séculos, o Homem fora norteado pelo sistema de medidas cartesiano. Esse aspecto em muitos momentos ajudou a humanidade no desenvolvimento da manifestação coletiva e manutenção do status quo nas sociedades crescentes. Porém, com o passar do tempo essa forma de compreender a vida engessou o comportamento coletivo na rígida visão do pensamento binário, visão não muito adequada para aplicar-se na compreensão dos refinamentos da alma e nas novas percepções subjetivas que os seres humanos desenvolveram ao longo de sua evolução até o momento atual.
Desse modo o pensamento binário, principalmente a partir do período pós-moderno, vem ocasionando atritos entre conceitos tradicionais e alguns conceitos mais flexíveis, fulminando na eclosão de conflitos principalmente oriundos de segmentos sociais que defendem comportamentos e pensamentos de alguns nichos, como por exemplo: os direitos dos homossexuais; dos negros; igualdade trabalhista entre mulheres e homens; liberação da maconha; a questão do aborto; da eutanásia; pena de morte; dentre outros, sendo que estas novas formas de compreensão da realidade se chocam com o pensamento binário e rígido sobre a manutenção das normas sociais e compreensão das coisas.
Já sob a ótica holística, o ser humano pode ser compreendido através de um emaranhado perceptivo, cujos caminhos se entrelaçam e se completam, como explica o termo:

Holismo (do grego holos que significa inteiro ou todo) é a ideia de que as propriedades de um sistema, quer se trate de seres humanos ou outros organismos, não podem ser explicadas apenas pela soma dos seus componentes. O sistema como um todo determina como se comportam as partes. O princípio geral do holismo pode ser resumido por Aristóteles, na sua Metafísica, quando afirma: O todo é maior do que a simples soma das suas partes. A palavra foi criada por Jan Smuts, primeiro-ministro da África do Sul, no seu livro de 1926, Holism and Evolution. [...] vê o mundo como um todo integrado, como um organismo. É também chamado não-reducionismo, por ser o oposto do reducionismo e ao pensamento cartesiano. Pode ser visto também como o oposto de atomismo ou mesmo do materialismo. De uma forma ou de outra, o princípio do holismo foi discutido por diversos pensadores ao longo da História. Nomeadamente pelo primeiro filósofo que o instituiu, para a ciência, que foi o francês Augusto Comte (1798-1857) ao sobrepor a importância do espírito de conjunto (ou de síntese), sobre o espírito de detalhes (ou de análise), para uma compreensão adequada da ciência em si e de seu valor para o conjunto da existência humana.[2]

A prática holística observada em Educação Somática tem como base os estudos positivistas do filósofo Merleau-Ponty, que em seu livro Fenomenologia da Percepção, revisa o conceito de sensação e sua relação com o corpo e com o movimento do mesmo, levando em consideração a interação do indivíduo com o meio, para que o próprio Ser se compreenda e seja percebido por si em sua totalidade. Na versão dos positivistas, a ciência considera que a sensação difere da percepção, embora ambas se relacionem pela causalidade estímulo-resposta.
Segundo a Fenomenologia, a sensação é o instrumento que traz luz à consciência de algo observado pela percepção da pessoa. Perceber é o ato, a sensação é o instrumento para que o ato torne-se consciente. Para a Gestalt a percepção não funciona como algo exaustivo e total dos dados, e sim uma compreensão provisória e incompleta dos fenômenos sensoriais. Assim, a compreensão fenomenológica da percepção é amparada por conceitos da Psicologia (Gestalt) dialogando com as Artes. Para se compreender como a percepção funciona, antes é preciso entender como a sensação atua em nós de maneira corpórea:

A sensação não é nem um estado ou uma qualidade, nem a consciência de um estado ou de uma qualidade, como definiu o empirismo e o intelectualismo. As sensações são compreendidas em movimento. [...] Na concepção fenomenológica da percepção a apreensão do sentido ou dos sentidos se faz pelo corpo, tratando-se de uma expressão criadora, a partir dos diferentes olhares sobre o mundo. (NÓBREGA, 2008, p. 142).

Por isso, os indicativos dos exercícios em Educação Somática estão centrados no despertar do corpo através do estimulo dos sentidos. Suas técnicas e abordagens metodológicas estão focadas, a priori, para a reeducação corporal pessoal, resgatando a unidade e identidade da pessoa, a partir de um paradigma interno do sujeito. As abordagens são voltadas não para gerar um padrão estético homogêneo entre os praticantes, e sim para ajudar na compreensão de que as diferenças devem ser respeitadas e mantidas como uma espécie de identidade individual de cada ser humano, pois existem várias formas de perceber o mundo à nossa volta, e uma interfere na outra.
Assim, a visão cientifica e filosófica da Somática considera o ser humano em sua totalidade (mente, corpo, espírito, sentimentos, subjetividade, consciência), sugerindo que as experiências pessoais são o veículo de entrada e saída para que o sujeito compreenda a si mesmo e ao meio ambiente e social. Essa nova atitude de reagir ao mundo ativa o senso crítico ao fazer a pessoa entender às causas dos fenômenos que a levaram a determinada interação através de suas ações com os fatos cotidianos e coletivos,

Na Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty esboça uma fenomenologia existencial na qual vislumbramos a descrição de um sujeito que se encontra sempre em “situação” em meio a um mundo concreto. A percepção nos conduz a um mundo anterior ao conhecimento e aos prejulgamentos que dele se possa fazer e, assim, desvela-nos um mundo carregado de sentido. Nesse mundo originário, ser significa, sobretudo, ser com o corpo. O filósofo promove uma mudança de enfoque, a passagem de um “espectador desinteressado” para um “homem que percebe” e, assim, para um homem que experimenta a verdade no intervalo entre si mesmo e o mundo, entre si mesmo e o outro. (MARQUES, 2006, p. 79).

Para que essa visão do ser humano seja articulada, os fragmentos devem validar-se desde que sejam percebidos através do todo, por isso a Fenomenologia trabalha com a interdisciplinaridade, atribuindo conceitos tanto das Ciências Exatas, quanto das Humanas, especialmente da Psicologia (Gestalt), rejeitando de vez o pensamento binário do cartesianismo, para aproximar-se o máximo possível da compreensão holística do Ser.
Segundo o conceito de corpo em Merleau-Ponty, a percepção adquire o caráter de mobilidade quando o autor propõe que o conhecimento é gerado e modificado através do movimento físico – que engloba também os atributos ocultos (alma, pensamento, emoções) – como dados importantes no ato de perceber o mundo, conforme observa Nóbrega (2008):

[...] a percepção do corpo é confusa na imobilidade, pois lhe falta a intencionalidade do movimento. Os movimentos acompanham nosso acordo perceptivo com o mundo. Situamo-nos nas coisas dispostos a habitá-las com todo nosso ser. As sensações aparecem associadas a movimentos e cada objeto convida à realização de um gesto, não havendo, pois, representação, mas criação, novas possibilidades de interpretação das diferentes situações existenciais. NÓBREGA (2008, p. 142).

Daí os exercícios em Somática voltarem-se primordialmente para esse aspecto, pois qualquer mudança estrutural interna reflete-se no exterior do sujeito, onde o fator pensamento/imaginação está amplamente associado ao movimento corporal durante os exercícios; assunto que será abordado no tópico seguinte.




[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/Holismo



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Celso. Manual de Técnicas, de dinâmicas de grupo, de sensibilização de ludopedagogia. 22ª ed. Petrópolis, Vozes, 2001.

BOLSANELLO, Débora, Educação Somática: investindo na tecnologia interna. 2008. Disponível em: <www.movimentoes.com>. Acessado em: 24 dez. 2012.

BOLSANELLO, Débora, Corpo Livre e Corpo Possuído. 2008. Disponível em: <www.movimentoes.com>. Acessado em: 21 dez. 2012.

BOLSANELLO, Débora, Educação somática: o corpo enquanto experiência. Motriz, Rio Claro, v.11 n.2 p.99-106, mai./ago. 2005.

FERNANDES, Ciane, O corpo em movimento: o sistema Laban/Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênicas. 2ª edição – São Paulo: Annablume, 2006.

FERNANDES, Ciane, Quando o Todo é mais que a Soma das Partes: somática como campo epistemológico contemporâneo, Revista Brasileira de Estudo da Presença. Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 9-38, jan./abr. 2015. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/presenca> Acessado em: 02/01/2015.

FORTIN, Sylvie e LONG,  Warwick. Percebendo diferenças no ensino e na aprendizagem de Técnicas de dança contemporânea. In Movimento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. V.11, n.2, p. 9-29. Porto Alegre, 2005.

FORTUNA, T. R. Sala de aula é lugar de brincar? In: XAVIER, M. L. M. e DALLAZEN, M. I. H. (org.) Planejamento em destaque: análises menos convencionais. Porto Alegre: Mediação, 2000. (Cadernos de Educação Básica, 6) p. 147-164 Disponível em: <http://brincarbrincando.pbworks.com/f/texto_sala_de_aula.pdf >. Acessado em: 31/07/2015.

GRAVINA, Heloisa Corrêa. Eu tenho um Corpo, eu sou um Corpo: abordagens somáticas do movimento na graduação em dança.  Rev. Bras. Estud. Presença, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 233-258, jan./abr. 2015. Disponível em: < http://www.seer.ufrgs.br/presenca > Acessado em: 16/01/2015.

GIL, Antonio Carlos, Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 3ª edição, São Paulo: Atlas, 1991.

HANNA, Thomas, Corpos em Revolta: uma abertura para o pensamento Somático. Rio de Janeiro: Editora MM, 1972.

MARQUES, Rodrigo Vieira. A Filosofia e a experiência do pensamento, Revista UFG / Junho 2006 / Ano VIII. n°1. Disponível em:

NÓBREGA, Terezinha Petrucia da. Corpo, percepção e conhecimento em Merleau-Ponty, Estudos de Psicologia 2008, 13(2), 141-148. Disponível em:
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SAMPAIO, Marisa Narcizo. Educação De Jovens E Adultos: uma história de complexidade e tensões. Práxis Educacional, v. 5, n. 7. p. 13-27. Vitória da Conquista: jul./dez. 2009. Disponível em: < http://periodicos.uesb.br/index.php/praxis/article/viewFile/241/253 > Acessado em: 17/02/2015.

_______________, HISTÓRIAS DA EJA NO BRASIL. Site Pedagogia ao Pé da Letra, 22/04/2013. Disponivel em < http://pedagogiaaopedaletra.com/historico-da-eja-no-brasil/ > Acessado em: 19 jul. 2015.







terça-feira, 21 de maio de 2013

A FLEXIBILIDADE DA PERCEPÇÃO COMO POSSÍVEL FERRAMENTA DE ANÁLISE HOLÍSTICA.

Hellen Katiuscia de Sá




Resumo: este artigo é uma introdução, onde propomos demonstrar a utilização de uma abordagem pedagógica empregada em Educação Somática – a flexibilidade da percepção – como possível ferramenta de analise holística de objetos artísticos cujo suporte é proveniente fora do âmbito físico-corporal, comumente abordado em Educação Somática. O objeto de analise escolhido para este exemplo foi o movimento cinematográfico Nouvelle Vague francesa.


Palavras-Chave: Pensamento Somático; Nouvelle Vague; Cinema;


Primeiramente faremos um pequeno apanhado de quando, como e porque surgiram os métodos de Educação Somática, que mais tarde tornaram-se um viés para solucionar insatisfações de bailarinos, coreógrafos, atores e diretores teatrais acerca de seu oficio enquanto artistas da cena.
O termo Educação Somática é relativamente recente; a expressão surgiu oficialmente pela primeira vez no artigo de Thomas Hanna numa publicação de 1983 da revista cientifica norte-americana Somatics, onde no mesmo artigo seu autor sugere uma definição para essas praticas tendo a arte e a ciência de mãos dadas para o mesmo fim: explorar e aceitar as relações subjetivas internas do sujeito (pensamentos e sentimentos) onde a consciência, o biológico e o meio-ambiente contribuem em conjunto para a assimilação de dados relevantes para construção do saber através do autoconhecimento, para esta abordagem a Educação Somática sinaliza ‘o corpo enquanto experiência’:

[...] corpo físico, ligado à psique, à alma, ao espirito e submetido a regras sociais e culturais. O corpo do qual provem e se expressam as sensações, é a um só tempo físico, psíquico, cultural, social e tem como modelo o corpo do outro. Culturalmente, o corpo é símbolo e signo, portador de mensagens, de atos físicos e psíquicos. Como produto social e paradigma de praticas culturais, nele a sociedade constrói significados e espelha-se.(SIQUEIRA, 2006, p. 59 apud PINTO, 2012, p.13)

Ainda que a expressão Educação Somática tenha sido mencionada em meados de 1983, há registros de anotações de pesquisadores autodidatas e artistas da cena que datam de antes da Primeira Guerra Mundial, e estas anotações formam os pilares dos princípios fundadores das abordagens em Educação Somática utilizadas ainda nos dias atuais. E há algo em comum nessas anotações. Em todas as abordagens inovadoras verifica-se que o ser humano é sempre assimilado e trabalhado como um Ser Total (o corpo material é indissociável da consciência), ou seja, leva-se em consideração a existência física, mental e espiritual do individuo como um todo, para absorção e construção do [auto]conhecimento.
Embora a aceitação do Ser Total nas abordagens dos exercícios em Educação Somática seja realidade, essa vertente não está atrelada a nenhuma corrente filosófica ou sistema religioso como o Hinduísmo, Vedanta, Taoísmo e/ou outra manifestação que abraça a concepção inseparável dos corpos material, espiritual e mental como expressão completa do ser humano.
Podemos citar alguns nomes dos “reformadores do movimento” – termo utilizado por Márcia Strazaccappa, aos que trouxeram à luz os fundamentos para os exercícios, estudos e abordagens somáticas. Esses reformadores jogaram-se no mar de possibilidades exploratórias do movimento, cujo estopim foi a busca da cura para suas enfermidades não contempladas pela medicina tradicional da época; como é o exemplo do alemão Joseph Pilates; do ator Mathias Alexander; Moshe Feldenkrais, dentre tantos. Todavia, reformadores mais recentes do movimento, não necessariamente foram guiados pela necessidade de superar alguma limitação psicofísica, mas acrescentaram novos dados baseados na experiência, àqueles já existentes.
O fato é que por meio de resultados positivos e satisfatórios através de tentativas concretas provenientes de exercícios corporais combinados com experiências sensoriais, surgiram dados empíricos que hoje servem como base para o pensamento fundador da unificação corpo/espirito importante e presente nas abordagens pedagógicas da Educação Somática; sendo que essas abordagens posteriormente e de modo gradativo, começaram a ser utilizadas por pessoas ligadas às Artes Cênicas (dança e teatro) em companhias de teatro e/ou dança contemporânea, na busca de maior expressividade dos artistas da cena, por exigências às novas linguagens na dança e/ou teatro na modernidade.
Tais exercícios de Educação Somática utilizados nas Artes Cênicas inauguram uma transformação na pedagogia da dança (principalmente), abrindo espaços para uma pedagogia “ativa”, exploratória, em oposição à uma ordem pedagógica clássica, rígida orientada apenas pelo modelo e pela forma mecanicista. Os exercícios somáticos dão abertura agora à valorização do SENTIR ao que se refere ao artista. Naturalmente essas abordagens pioneiras de se trabalhar o individuo influenciaram no repasse pedagógico dentro das faculdades de Cênicas, cujo material de estudo vêm interferindo beneficamente também nas áreas de Educação, Ensino e Saúde.
Ressaltando que os métodos propostos pela Educação Somática utilizam técnicas variadas, entretanto um eixo em comum nessa diversidade de abordagens é proporcionar ao individuo experiências que o estimulem à propriocepção e auto-regulação dos movimentos. Essas técnicas visam trabalhar não somente o aspecto material da pessoa, pois através da consciência corporal do individuo, o mesmo exercita e dilata sua tecnologia interna (acionando os corpos sensorial e mental) resultando ao praticante percepções mais aguçadas de si mesmo através de uma orientação holística interna, estendendo-se estas percepções de autoconhecimento para o ‘exterior’ através de seus atos, ou seja, para o meio ambiente onde o individuo vive e se relaciona.
Buscando embasamento na obra do filosofo Merleau-Ponty: Fenomenologia da Percepção, encontramos a compreensão do conceito de “corpo enquanto experiência”, de acordo com o que se propõe os exercícios de Educação Somática, correspondendo à necessidade de se trabalhar o Ser em sua totalidade holística, como explica a pesquisadora Débora Bolsanello:

A partir da mudança de paradigma estabelecido pelo pós-Positivismo e do questionamento epistemológico inaugurado pela Fenomenologia, a experiência humana e a subjetividade passam a ser validadas como fonte de conhecimento. Para os profissionais da área de Educação Somática, não é o corpo da pessoa que é abordado, mas a sua experiência através do corpo. Para tanto, o professor de Educação Somática utiliza as seguintes estratégias pedagógicas: a sensibilização da pele, o aprendizado pela vivência e a flexibilidade da percepção. (BOLSANELLO, 2005, p.98).

O que nos interessa de imediato aqui, é compreender a flexibilidade da percepção como abordagem pedagógica acionada no individuo através dos exercícios de Educação Somática. Senão vejamos: a execução das abordagens somáticas em sua prática acontece, sobretudo, por meio da doxa, cujo repasse das orientações orais norteia os indivíduos durante o desempenho dos exercícios somáticos; de modo que todo conhecimento empírico com registros escritos ainda são relativamente poucos, se comparados à aplicabilidade transversal dos exercícios somáticos às diversas áreas do conhecimento psicofísico. Esses registros funcionam mais a titulo de apontamentos técnicos e/ou como dados de pesquisa de campo para um desdobramento epistemológico sobre o tema, pois como na área da Educação Somática o conhecimento é atravessado pela ideia fundamental do ‘corpo teórico’ e/ou do ‘corpo enquanto experiência’, por onde a percepção do individuo é tecida, armazenada e posta para fora de maneira empírica, é desse modo que acontece o alcance maior dos exercícios físicos no corpo mental e espiritual do sujeito (caminho que aciona a flexibilidade da percepção), ou seja, por meio estritamente da práxis e da doxa.
A permanência da doxa ao longo dos anos se deve à sua extrema maleabilidade e capacidade de se modelar conforme o discurso de seus fazedores coletivos e deles anexarem falas outras à doxa. As opiniões da doxa se adaptam às circunstancias, e elas não advêm de uma instituição (tipo universidades e/ou escolas). Não são estudadas em livros. A doxa é repassada como um rumor perceptível apenas pela via sensível de ouvidos aptos para ouvir o ‘imperceptível’, algo como um “SENTIR O CONHECIMENTO” – uma paixão, onde somente o apaixonado é capaz de alcançar suas palavras...

Veremos assim, em relação ao que nos diz respeito – a atividade artística –, a doxa adaptar-se às novas condições da prática da arte, mesmo que pouco a pouco e com certo atraso em relação à própria pratica. (...) O trabalho da doxa é visto a partir de então como trabalho de coesão social; ela oferece a todos sua trama bem tecida, sem exceção, e esses ‘lugares’ apresentados por ela ao entendimento de todos nos tornam capazes de nos entendermos uns com os outros. (CAUQUELIN, 2005, p.163, 164).

Desse modo a relação entre as conexões de ideias e compreensões do individuo percebidas através do estimulo corporal estendem-se para além do físico, justamente devido ao exercício corpóreo acionar esses ‘lugares secretos’ da subjetividade do sujeito proporcionando a flexibilidade da percepção (espacial, interna e externa), o qual permite à pessoa traçar conexões de entendimentos profundos sobre os acontecimentos cotidianos, e dessa transversalidade de compreensões e conexões de ideias, o individuo alarga seu olhar perante os fatos e dados da conjuntura interior e exterior ao seu corpo (Soma), fazendo o sujeito alcançar que os fatos sociais interferem consigo de maneiras outras.
A flexibilidade da percepção então convida o individuo a enxergar e tecer juízos de maneira holística, ou seja, abre formas de avaliar os fatos levando em consideração a maioria dos lados em questão, para poder chegar a uma conclusão mais satisfatória que contemple uma gama maior de dados relacionados. Através do estimulo de sua tecnologia interna (percepção espacial; de equilíbrio; sensibilidade auditiva, olfativa, tátil; pensamento e imaginação) o sujeito instiga suas conexões de pensamento e análise, culminando na dilatação do entendimento e capacidade de interligar fatos gerais através da aceitação de que seu próprio Ser Total integra-se na Natureza como sendo um dos elementos componente dessa Natureza maior, ou seja, o sujeito torna-se mais responsável por suas ações e escolhas, pois não age apenas para si, mas para todo seu entorno social.
Assim a flexibilidade da percepção estimula o individuo compreender que ele tem uma natureza interna (a sua ‘verdade’) que deve se relacionar com o exterior de si verdadeiramente. Entretanto a pessoa necessita trabalhar para tornar real e ativa esta ‘verdade’, pois através da harmonia entre seus corpos (mental/emocional, espiritual e físico), ele pode externar quem de fato é, para que serve, para que veio ao mundo, para exercer a sua função em sociedade. Ele não se afasta de si mesmo e não se deixa alienar pelas seduções artificiais provenientes dos esquemas consumistas do Capitalismo, ou pelos discursos da política dominante, por exemplo.

Do neoplatonismo, a doxa mantém a ideia de que a arte participa do Ser e do Um, que seu valor é o mesmo concedido à alma, e que ao celebrar a arte, está se celebrando a Natureza e Deus. E também que a natureza constitui ao mesmo tempo o valor a respeitar e o objetivo a perseguir (é preciso trabalhar para ser natural); é sabido que a natureza (o dom) sem trabalho não vale nada, mas paralelamente, a doxa nos diz que o trabalho sem o natural é da mesma maneira nulo. A natureza indica o bom sentido, o caminho a seguir, ela é um dos principais lugares-comuns da doxa, mesmo e sobretudo, que não se consiga defini-la. (CAUQUELIN, 2005, p.168).

Partindo dessa premissa, de que a flexibilidade da percepção traz o individuo para perto da expressão de seu Ser Total – a sua ‘verdade’, a sua aptidão natural, (e por consequência tudo o que ele produzir norteado por esta consciência irá resultar a essência nas coisas produzidas, além é claro, de permiti-lo detectar o que está fora de seus lugares e enxergar paradoxalmente os caminhos que podem harmonizar as partes constituintes no Todo no seu universo cotidiano). A pessoa torna-se apta a inverter a ordem dos fatores dessa coesão que emerge através da ‘verdade’ das coisas – e tratamos aqui do dinâmico ‘jogo estético’ que pode, deve e está sendo jogado pelos sujeitos em sociedade a todo o momento; com a diferença que uns (mais que outros), percebem essa relação de liberdade expressiva genuína. O jogo estético confere a ATIVIDADE FORMADORA DO SUJEITO, que ordena através da matéria sensível, impregnada de sentimento, a própria Natureza da qual se desprendeu. E agindo consciente de si e de seus atos e de sua condição de ‘estar no mundo’, o sujeito transcende.

Para Schiller, o impulso lúdico se exerce acima das necessidades naturais da vida e independente dos interesses práticos. É uma manifestação de ordem espiritual, que se apresenta sobretudo como jogo estético. Sua função é conciliar a matéria, presente aos sentidos, com a forma, ato do pensamento, que parece excluir o que é material e sensível. O impulso lúdico joga com a Beleza, que Schiller define como forma ativa. A Beleza surge como convergência do subjetivo com o objetivo, do sentimento com a forma, que esse impulso determina. Força eminentemente livre, o jogo estético neutraliza tanto o rigor das formas abstratas, produzidas pelo intelecto, quanto a imediatilidade das sensações passageiras, e, “dando forma à matéria e realidade à forma”, liberta o homem do jugo da Natureza exterior e das exigências racionais exclusivistas. Por aí se vê que o jogo estético é uma afirmação do espirito, que pressupõe a liberdade. De fato, é preciso que o homem já tenha conquistado um alto grau de autonomia espiritual para jogar com a matéria e com a forma. (NUNES, 2006, p. 55).

Como sugere a filósofa, teórica e artista Anne Cauquelin em passagem em seu livro Teorias da Arte, o aspecto da ‘essência’, seja na obra de arte seja em qualquer outa coisa, dá-se através pela busca da Verdade, pois esta é a revelação do Bem e do Belo,  e se ‘belo’ é ser ‘bom’ e ser ‘verdadeiro’ em sua essência. Assim, partindo do raciocínio holístico, análogo ao proposto pela flexibilidade da percepção, cuja analise não descarta nenhuma hipótese para se chegar à conclusão, quando falamos da reviravolta que o cinema mundial viu e impactou-se através do movimento da Nouvelle Vague francesa, entramos no campo desta subversão da ordem de valores estéticos, culturais, econômicos e políticos.
         Conforme a flexibilidade da percepção nos convida a observar a maioria dos lados da questão para se chegar a uma conclusão mais abrangente (e para este proceder especifico eu chamo de ‘pensamento somático’), vamos tecer hipóteses sobre o porquê de jovens críticos de cinema, (que a principio não eram nem cineastas), subverteram a ordem das regras estéticas do audiovisual, culminando no movimento Nouvelle Vague.
Retomando a questão sobre a essência de que todo produto artístico para ser considerado verdadeiramente ‘arte’, tal fruto deve obedecer a um conjunto de regras para sua produção, e assim espelhar sua ‘verdade’, Partiremos desta primeira hipótese: o incomodo maior que os idealizadores da Nouvelle Vague francesa sentiram ao assistirem os filmes franceses da década de 1950.
Este grupo era formado por  jovens teóricos, críticos, pensadores e profundos estudiosos da história do cinema e de sua respectiva linguagem, portanto capazes de detectar esta falta de ‘verdade’ dentro do jogo estético dos filmes  produzidos em meados da década de 1950. Era como se a linguagem do cinema estivesse estagnada às formulas artesanais desde à época de seu nascimento. Jean-Luc Godard, Alain Resnais, André Bazin,  François Truffaut, Claude Chabrol, Jacques Rivette e Eric Rohme – “Os Jovens Turcos”, como também eram apelidados pela mídia da época, externaram sua insatisfação com este descompasso estético dissociado de forma, conteúdo político e poético nos filmes na atualidade da década em que viviam. Primeiro gritou-se o manifesto de François Truffaut intitulado “Política dos Autores”; depois de um tempo, alguns rapazes do grupo arregaçaram as mangas e partiram para experimentos totalmente livres, subvertendo os paradigmas que regiam as regras (até então) que validavam o jogo estético do audiovisual.
Os idealizadores do movimento Nouvelle Vague queriam ressuscitar essa ‘verdade’ da linguagem cinematográfica. Seguindo o raciocínio das Teorias Injuntivas, que explica que para o objeto produzido ser considerado ‘arte’, ele dispõe de uma serie de regras para tornar-se verdadeiro dentro de uma premissa artística; podemos intuir que quando os Jovens Turcos se propuseram a subverter as regras da produção audiovisual em prol da evolução da linguagem cinematográfica através do que se intitulou como Nouvelle Vague francesa, eles automaticamente introduziram novos dados dentro do processo criativo no cinema, e por isso mesmo sugerem outro caminho para a ‘verdade’ do produto artístico audiovisual ser alcançada, posto que a Arte é algo subjetivo susceptível de regras dinâmicas, como explica Anne Cauquelin:

A arte é então ‘uma disposição de produzir (poiésis) acompanhada de regras’. Produzir é trazer à existência uma das coisas que são suscetíveis de ser ou de não ser e cujo principio de existência reside no artista. Nessa ótica uma produção é julgada por sua conformidade às regras ‘verdadeiras’ que foram seguidas. Caso tenha seguido as regras falsas terá falhado. O que importa ao teórico da arte é, então, enunciar essas regras  verdadeiras e, diante disso, avaliar os meios e a matéria da produção de acordo com os fins que ela se dispõe a alcançar. Daí o interesse em classificar os fins e ver como se articulam os gêneros e as espécies. (CAUQUELIN, 2005, p.59-60).

Nesse raciocínio, há farta literatura de teorias sobre a Arte, as quais expressam que o produto artístico nasce mediante regras inerentes ao seu processo de produção, para ser reconhecida como tal; regras estas detectadas e validadas pelos teóricos de arte ao longo da historia da civilização humana, porém vale lembrar que por tratar-se de uma produção mimética, a produção artística naturalmente adere em seu processo de realização fatores dinâmicos, abertos a novos canais expressivos inerentes à subjetividade do artista, e essa produção é alcançada através de erros e tentativas, ou seja, através também de uma pitada proveniente da práxis.

Se termos em mente que toda arte é produção acompanhada de regras, compreenderemos de imediato que mimesis não é cópia de um modelo, pálido decalque da ideia, afastada da verdade em muitos graus, como era o caso para Platão. Ela é antes de tudo fabricadora, afirmativa, autônoma. Se ela repete ou imita, o que repete não é objeto, mas um processo: a mimesis produz do mesmo modo como a natureza produz, com meios análogos, com vista a dar existência a um objeto ou a um ser; a diferença se deve ao fato de que esse objeto será um artefato, que esse ser será um ser de ficção. (...) O produto de ficção é tão real quanto o gerado pela natureza, apenas não pode ser avaliado de acordo com os mesmos critérios. Para a natureza, os seres que ela produz são como eles são: ele sabe o que faz, e o faz bem, suas regras de produção são imanentes (mesmo que aconteçam vez por outra, muito raramente, erros de programação – por exemplo, monstros por falta ou por excesso). Não acontece a mesma coisa com os seres de ficção; o que é o processo interior na natureza, está no artefato, submetido à exterioridade e, portanto, à contingencia. (CAUQUELIN, 2005, p.61-62).
           
Para se compreender como esse salto evolutivo da linguagem cinematográfica emergiu através do movimento Nouvelle Vague, invocamos a AUTONOMIA DA ARTE, que é a faculdade que dispõe a arte de não apenas romper com as outras espécies de discursos da razão (o que a autonomia promete), como ainda tornar ineficaz o funcionamento desses discursos.

[...] a obra ‘em si’ não existe realmente; ela se diz ‘obra’ por meio e com a condição de ser posta em determinada forma, de ser posta em ‘sítio’. Fora do sítio, que a teoria construiu e que as teorizações mantêm vivo, ela não é nada. São necessárias essas mediações, todo esse trabalho tecido incansavelmente pelo comentário, para que seja reconhecida como obra. Pois nenhuma atividade – e a arte não escapa dessa condição – pode ser exercida fora de um sítio que lhe dê seus limites, determine os critérios de validade e regule os julgamentos que serão tecidos a seu respeito. (CAUQUELIN, 2005, p.21)

Agreguemos à falta de eficácia do jogo estético do cinema nos anos anteriores à explosão da Nouvelle Vague, outro possível dado relacionado ao surgimento deste movimento cinematográfico: a conjuntura política do período de 1950 na França, pois:

Quando se trata de um objeto de arte, o processo de reconhecimento deve levar em conta o contexto sociocultural e politico – auxiliar indispensável ao reconhecimento  efetivo de um objeto de arte enquanto tal –, e sua constituição em ‘símbolo’ deve muito ao lugar que esse objeto ocupa no sistema de trocas econômicas e culturais. (CAUQUELIN, 2005, p. 120).

Na esfera da compreensão do RELATIVISMO CULTURAL, toda manifestação criativa que traz referencia histórica e social de um povo é aceitável enquanto cultura dentro do universo das civilizações humana como um todo, onde os discursos obedecem e são compreendidos dentro de cada nicho cultural onde foram engendradas.
A importância dos signos – segundo investigações profundas de Pierre Bourdieu – engloba os valores materiais: de uso e de troca; e valores imateriais: simbólico e afetivo, estes valores são amplamente explorados no discurso cinematográfico da Nouvelle Vague francesa, anexando a esta expressão artística uma larga abrangência comunicativa ao publico que frequentou o cinema a fim de ver os filmes provenientes desse novo dialogo audiovisual. Muito embora, esses signos se apresentassem de maneira notoriamente inovadora, aparentemente desorientada e de certa forma dinâmica, exigindo de seu espectador novas maneiras de decodificar tais relações de compreensão linguística cognoscíveis, cujo publico não estava habituado (nem experimentado anteriormente tais conexões de compreensão do discurso audiovisual), e por isso mesmo os filmes nascidos sobre a alcunha da Nouvelle Vague geraram profundo estranhamento tanto no publico quanto da crítica especializada em meados de 1958, como a qualquer pessoa ainda hoje que contemple pela primeira vez esses discursos.
          Vale salientar que tais ‘quebras’ ou subversões das regras linguísticas em determinado discurso artístico é semelhante aos saltos evolutivos de espécies na Natureza. O surgimento da Nouvelle Vague no universo do audiovisual assemelha-se ao que se propõe o relativismo cultural que abraça (e interfere) igualmente o conjunto dos processos sociais de significação (e/ou) o conjunto de processos de produção, circulação e consumo da significação na vida social; portanto, admitem a existência dos discursos linguísticos explorados através da Arte, a partir do momento em que estes discursos dialogam em algum grau com seu receptor (o publico), seja no seu aspecto sensorial, seja no dinamismo comportamental.

        Por hora, estes foram os primeiros recortes tecidos utilizando a Flexibilidade da Percepção como ferramenta de análise holística, sobre alguns lados de questões que poderiam ter corroborados para a explosão criativa, que a história do Cinema conhece sob a alcunha de Nouvelle Vague.



Hellen Katiuscia de Sá
Escrito em: 18, 19, 20 e 21 de maio de 2013.

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Referencias:

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BOLSANELLO, Débora, Educação Somática: investindo na tecnologia interna. 2008. Disponível em: <www.movimentoes.com>. Acessado em: 24 dez. 2012.

BOLSANELLO, Débora, Corpo Livre e Corpo Possuído. 2008. Disponível em: <www.movimentoes.com>. Acessado em: 21 dez. 2012.

CANCLINI, Néstor García, [tradução: Luiz Sérgio Henriques] Diferentes, Desiguais e Desconectados – mapas da interculturalidade. Editora UFRJ: 2005.

CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

GALVÃO, Gustavo. Mostra Nouvelle Vague Ontem e Hoje.  [encarte]. Centro Cultural Banco do Brasil: 2008.

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Acessado em: 18/05/2013

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Acessado em: 18/05/2013.

STRAZZACAPPA, Márcia, Educação Somática: seus princípios e possíveis desdobramentos. 1998. Disponível em: